Será no dia 29 de Maio
Vejam a programação no link
http://www.fotoserumos.com/aipt_dmt_2006.htm
Abraços a todos
Angel
Chamada da Revista Época desta semana: “Supermercado de órgãos. Uma corrente de médicos dos Estados Unidos defende a compra de rins e fígados para transplante. O Brasil deve entrar nessa?”
Vou tentar blogar de forma mais “imparcial” possível . Quem quiser pode postar suas opiniões a respeito.
A reportagem levanta a questão da doação remunerada de órgãos como uma possibilidade de redução da fila de espera e regularização do comércio hoje existente. A polêmica começou nos EUA por meio de um artigo de um médico transplantador chamado Eli Friedman que defende a idéia da criação de uma agência governamental para intermediar as transações entre compradores e vendedores. Ele acredita que as campanhas de doação de órgãos, embora sistemáticas e intensas nos EUA não foram suficientes para a redução da fila de espera dos receptores e, já que estes estão comprando órgãos em países em desenvolvimento, então que isso ocorra sob os olhos da lei, fornecendo amparo a dupla doador (vendedor de seu rim, parte de fígado, etc) e receptor (aquele que vai desembolsar segundo cálculos do economista prêmio Nobel de Economia, a quantia em torno de US$ 40 mil).
Vejam as opiniões que foram coletadas acerca das possibilidade de justiça em transações como essa (doação remunerada):
A nefrologista Cristina Castro presidente da ABTO acha que “Regulamentar as vendas é manter a desigualdade: os países em desenvolvimento vão continuar fornecendo órgãos ao primeiro mundo”.
O cirurgião Silvano Raia (transplantador pioneiro de fígado inter-vivos): “Assim como o comércio de órgãos, o estupro é ilegal e continua acontecendo. Nem por isso deve ser regulamentado”
A questão da autonomia e liberdade individual é levantada por Volnei Garrafa, que sustenta que o direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo tem suas bases na bioética anglo-saxã: “A autonomia virou um princípio acima dos outros três, que são a beneficência, a não maledicência e a justiça”. A opinião de uma provável receptora de transplante de fígado alia-se ao discurso da autonomia e ela questiona que se uma prostituta vende o corpo, porque uma pessoa não pode vender um órgão e salvar alguém?”. É de se pensar, embora saibamos que não há nenhum altruísmo na venda de órgãos.
A questão da doação remunerada deve cair em breve na boca dos brasileiros já que é uma idéia que irá criar muita polêmica.
Passei oito fazendo hemodiálise, estou no terceiro transplante renal (nenhum comprado!), fui presidente de duas associações de renais e acho saudável e inevitável a discussão sobre a doação remunerada. Questões relevantes foram evidenciadas na reportagem por meio das entrevistas. Só ficou faltando entrevistar os receptores que conseguiram um órgão por meio de comércio, pois este tipo de transplante não costuma resultar em sucesso e desencorajam o receptor a tentar um novo transplante. Outra questão que ficou de fora é a prática de transplantação remunerada na qual são oferecidas em consulta médica a expectativa de um transplante de cadáver num período aproximado de três meses mediante pagamento. Embora pudéssemos entender que o pagamento fosse destinado a remuneração da equipe fora da rede pública, transplantes de cadáver só podem ser realizados por meio do SUS e o prazo de espera é em torno de, no mínimo dois anos. Felizmente isto não é a regra, mas mostra que não é só o doador remunerado que age de forma mercantilista.
Nunca conheci um receptor que tenha pago diretamente a alguém pelo órgão transplantado. Gostaria de conhecer, pois acho ainda mais grave, embora reconheça que esta atitude seja apoiada no desespero. Também nunca tive contato com alguém que vendeu um órgão. Já vi anúncios pelos idos de 85-86 de venda de órgãos. Gostaria de saber o que move essas pessoas a vencerem o medo da cirurgia, a perda de uma parte de si, por um bom punhado de papel. Acho, a princípio, difícil acreditar que esse tipo de doador esteja generosamente interessado em salvar a vida do receptor, visto que não há uma relação de amizade, compaixão ou algum sentimento motivador deste tipo. A população de receptores pobres (a maioria) não poderá pagar por um rim ou pedaço de fígado saudável. É, portanto, um comércio desigual. Na fila continuarão os pobres sofrendo ainda mais em seu tratamento conservador visto que o repasse de verbas para hemodiálise já está bastante defasado e tenderia a cair ainda mais, pois pobre não tem voz nem vez. E, uma vez legalizada a compra e venda de órgãos, quem alimentaria a demanda desse comércio?
Acredito que o caminho está no fortalecimento dos sentimentos de compaixão e do altruísmo
Pegando carona na proposta de Leonardo Boff, que reza que tudo se mantém religado num equilíbrio dinâmico, e também nas palavras de Isaltino Neto, que vai doar parte de seu fígado para uma amiga, (entrevistado pela revista Época): “- Jamais teria coragem de vender um órgão. Faço isso por solidariedade”. Já ouvi, senti e acreditei nisso três vezes. Sei que muitos amigos meus, renais crônicos, não compartilham da comercialização de órgãos, apesar de todo sofrimento inerente ao adoecer. Acho que para aqueles que acreditam que sua vida está ameaçada e preferem comprar um órgão, é preciso lembrar que todos iremos partir um dia, mas seria mais bonito refletir antes sobre a condição que a vida lhes impôs sobre o doar e receber.
Comentando a imagem, trata-se do rim de minha doadora no momento em que estava sendo preparado pelas mãos do cirurgião para ser transplantado em mim.
Beijos, Angel.
Fui ao Mac ver a exposição de Miro. Muito bela e inquietante, signos convidativos, cores primárias e traços. Síntese e essência. Numa entrevista com Niemayer ele afirmou: “A arquitetura deve emocionar e ser bela.” E assim é a arquitetura do MAC. No pátio externo uma semana de filmes de Almodóvar. A projeção num telão tendo o céu como cenário coadjuvante. O filme: “Fale com ela”. Relações humanas de peso, touradas e balé. A fotografia belíssima como deveria ser. Até mesmo as cenas do hospital são carregadas de poesia, emocionam. Toda narrativa do filme segue um contra fluxo, no sentido da morte para a vida. Uma bailarina entra em coma após um acidente e um enfermeiro conversa com ela diariamente mesmo sabendo que ela não pode responder, o que não significa que ela não pode entender. Almodóvar estabelece relações complexas entre os personagens, teias de emoções com uma cronologia nada convencional. Arrependimento e culpa, remorso, sentimentos muito presentes em nossas vidas. Há símbolos e signos muito pregnantes: camas hospitalares, janelas, touros, cadeiras, uniformes e vestimentas. Cada objeto nos remete à lembranças também muito significativas.
A arte, acima de tudo emociona, coloca em movimento. E cá estou movimentando meus dedos sobre o teclado tentado expressar que não há imparcialidade em nada, que cada ato repercute sobre os outros, que podemos nos calar, duvidar, odiar, amar ou criar uma realidade outra senão aquela que parece ser a única possível. Poderia dizer isto de várias formas, bem senso comum:
Vivemos num mundo de ilusões.
Nem tudo é o que parece ser.
Não julgueis.
O preconceito é uma droga.
Ninguém vive sem máscaras.
Vivemos para ser o que não somos, e nossa essência é algo que conhecemos muito pouco.
Almodóvar trata de situações possíveis e impossíveis, isso é arte. A expansão de nosso restrito universo.
Queria ter tido a possibilidade de dizer a Fernando. Cheguei à conclusão que sua incapacidade de lidar com uma situação que definiu como “algo que não podia modificar” não era um problema meu de fato, era problema dele. Penso também que o filme de Almodóvar me ajudou a entender que a incredulidade humana é algo construído culturalmente, assim como o preconceito e tantas outras amarras (na maioria das vezes bem convenientes). Fiquei muito tempo no limbo flertando com a vida e a morte. Meus últimos vinte anos foram construídos sobre um terreno de situações limite. Em vários momentos, situações muitos difíceis eram revertidas e as soluções apareciam oportunamente. Não descarto a fé e não costumo deixar tudo a cargo dos Santos, mas acredito também em pequenos milagres.
Em “Fale com ela”, uma das representações do amor são os encontros e desencontros. Bem atual.
Angel