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terça-feira, fevereiro 20, 2007

Transitoriedade



Aquela noite na enfermaria não conseguia dormir. Todas as noites, até então, havia sido mal dormidas, muita dor, desconforto e o acende-apaga de luzes. Os remédios precisavam ser administrados metodicamente. Havia um período de repouso relativo entre meia noite e quatro horas da manhã. Minha colega de quarto, uma senhora negra e determinada, também estava com muito desconforto. E, finalmente, no dia em que eu fiquei livre da medicação das 4 da matina, ela iniciou um novo antibiótico neste horário.Lembrei-me que dormir logo era uma boa idéia. Quando dormia preservava meu espaço durante os sonhos. Um espaço onde só entravam com autorização de meu inconsciente. Era meu melhor espaço com certeza. O espaço durante o dia limitava-se a minha cama na enfermaria conjunta, um banheiro e o corredor da unidade de transplante renal. Pensei em como driblar a dor para poder dormir. Sentada na cadeira ao lado da cama decidi-me por tomar o chá de espinheira santa que minha mãe havia trazido à tarde, bom cicatrizante. A outra alternativa era tomar Buscopan. Era uma questão de fé, eu sabia. Estava com fortes cólicas provocadas pela tuberculose no intestino, recém diagnosticada, e estava prescrito o remédio para o período noturno se tivesse dores. Pensei em quantos remédios já havia tomado num período tão curto, do ano novo até esta noite, menos de um mês. Quantas tentativas para fechar o famigerado diagnóstico, quantos antibióticos, quantos erros. Tudo isso me incomodava muito, com certeza, detesto tomar remédios. Olhei para a garrafinha térmica, servi-me com meio copo de chá, ainda estava morno, o que me trouxe algum conforto. Voltei para a cadeira, mentalizei que se aquele chá era para cólicas e úlceras então que mostrasse a que veio, era a minha pequena revolução pessoal- a revolução das ervas. Pedi um reforço divino, para garantir. Levantei-me decidida da cadeira e fui deitar. As dores passaram rápido, foi a minha melhor noite. Pela manhã ainda sentia aquele minúsculo sabor de sucesso, melhor seria dizer de conquista. Meu corpo, durante a internação, havia se transformado novamente num território desconhecido, precisava recuperá-lo.
Devo ter ido ao PS ao menos umas três vezes, numa delas foi para fazer o Usom. O residente era muito paciente e simpático. Em determinado momento chamou outro médico e ambos ficaram discutindo sobre a minha vesícula. Pedi que me explicassem: “afinal é colecistite agudizada ou não”. O médico riu:” É crônica, quem disse que era agudizada?” Começaram a discutir sobre uma mancha no íleo. Ao final disseram que eu faria uma TC do abdome...com contraste. Da TC fui para a colonoscopia, ou a “viagem ao centro da Terra”. A esta altura já havia percebido que se fosse vesícula estava bom demais. Resta dizer que o preparo da colonoscopia é bem pior do que o próprio exame, no qual estive consciente, embora sem sentir dor. Perguntei ao médico se ele havia conseguido fazer a biópsia, ele acenou que sim com a cabeça. Retornei a UTR. Foi uma semana de medo. O residente explicou com riqueza de detalhes que na pior das hipóteses seria neoplasia e na melhor citomegalovírus. O resultado da biópsia acusou tuberculose no intestino. Não sei se foi por conta do estado de torpor com tantos remédios e exames, mas a única coisa que ficou clara para mim era que teria alta do HC e poderia fazer o tratamento domiciliar. Fiquei muito aliviada com uma tuberculose que me deixava sair do hospital. Perdi 4 quilos em três semanas e ansiava por sair daquele ambiente.
Foi tudo muito lento, é só que eu posso dizer. A barriga dói, a quantidade de remédios é absurda, a sobrecarga sobre o fígado é grande e a função renal está absolutamente normal. Uma boa notícia afinal. Este tem sido o meu mundo “real” desde 02 de Janeiro de 2007 até agora.
Preciso de irrealidades, coisas invisíveis como preces rogando desde longa data por respostas para minha barriga inquieta.
O que sei sobre tuberculose? Quase nada, doença de poetas melancólicos. Resquiço de lembranças espirituais, dias inalcançáveis, lugares longínquos, sofrimento sem razão, asilos de recuperação para tuberculosos e escarradeiras.
Talvez sofra de melancolia embora minha tuberculose não seja contagiosa e acredito que, curável. Agora, não conheço cura para a melancolia. Curas invisíveis talvez.
Releio os ensinamentos de Buda. Reconhecerei que este mundo é em parte ilusão, sendo assim, agirei como uma mulher sábia acreditando que este não é um mundo real e escaparei assim do sofrimento. Não preciso acreditar na doença, nem nas aparências, nem no que dizem as pessoas...Devo acolher com a mente justa e tranqüila aquilo que vier. Deepak Chopra colou tudo do Budismo.
Venha então, Dona tuberculose intestinal, convido-a para um chá de ervas – açúcar ou adoçante?2007 começou finalmente!