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domingo, setembro 28, 2008

Metáforas sensoriais



Usar uma entrada sensorial como forma de representação de outra, quando um dos sentidos está ausente.
Beira a poesia:
Cegos que lêem com as mãos.
Surdos que ouvem com os olhos e com a alma
Compartilhar os sentidos.
Qual o espaço ocupado pelo implantado coclear na comunidade ?

Nesta condição, de implantados, vivemos em uma nova versão da realidade.
Ainda vivo uma descontinuidade de sons. Por vezes me "desligo". Por muito tempo antes do implante, foi assim. Manter a atenção contínua é um desafio. Estou me re-habituando.
Posso perceber quando isso acontece e optar por aumentar o meu grau de atenção ou continuar "vagando" e descansando a mente. Acho um pouco estranho manter uma atenção auditiva continuada, mas me dou conta disso hoje com bastante clareza.
Essa "lacuna" sonora pode ser muito importante para a opção de comunicação que o surdo irá assumir.
Penso que o surdo oralizado faz um opção de caráter tão social quanto o surdo que utiliza Libras e quer preservar uma cultura.
O surdo oralizado deseja o mundo oralizado e ama os sons. Mesmo que não os conheça bem (é preciso saber que há meandros no amor). Ama estar com os sons. Falo apenas por mim, que fiquei surda tardiamente. Amo os sons e prescindo deles.
São sete vagas de ondas sonoras e uma de silêncio.
Minhas orelhas são conchas que reverberam o sonho de ouvir.
Tenho somente um rim que filtra. É é tudo!
Tenho somente uma orelha que escuta.E é a minha âncora.
Ambos do lado direito. Meus órgãos não duplos.

Interesso-me pela comunidade surda. Sinto admiração e estranhamento pela sua não identidade com a comunidade ouvinte. Preservar a cultura surda passou a ser uma bandeira maior do que conhecer e aprender.
Qual o prazer que uma pessoa que nunca ouviu pode ter pelo som?
Que falta sentimos de algo que não conhecemos?
Parece óbvio, mas não é. O sentido do silêncio só pode ser compreendido por aqueles que vivem sob o signo do silêncio.
Os surdos sinalizados vivem sob o calor da afetividade da comunidade surda. E isso é bom.

Agora vou dizer do que não estou gostando.
Da condição de não aceitação do implantado dentro da comunidade surda.
Se os Surdos exigem respeito e valorização de sua língua e cultura, por quê não podem aceitar e respeitar a condição dos implantados?
Eu não nego a cultura surda, apenas gosto de ouvir e sinto falta dos sons, pois neste mundo vivi. Sinto falta da música, da voz do mar e das voz humana. Que mal há nisso? A língua portuguesa é a minha primeira língua.

Penso ainda que crianças surdas bem pequenas devam ser beneficiadas pela implante coclear e pela Lingua de sinais, e mais adiante, poderem escolher sobre a sua identidade.
Precisam aprender a ler e a escrever uma língua escrita que favoreça o pensamento e a linguagem escrita.


Não acredito que os surdos sejam movidos em suas decisões de implantar apenas condicionados pelo modelo médico curativo, e para serem aceitos no mundo ouvinte. O custo do implante é muito alto para os implantados, me refiro ao custo de se submeter a uma nova realidade auditiva que se baseia em estímulos elétricos e bytes.

É tudo muito diferente em meu mundo sonoro. Mas admito que ouvir novamente supera qualquer preço que esteja pagando.
Não estou consertando nada, porque a audição "original"não tem "conserto". Nunca mais ouvirei como ouvia com minhas orelhas biológicas. Dependo de um processador de voz, de programas, de uma antena receptora, de um magneto dentro da minha cabeça e de cabos e acessórios.
Estou aprendendo a "ouvir de outra forma". Quando me disseram isso pela primeira vez, achei tão misterioso e enigmático. Essa outra forma não é dada, nem é absoluta. Ela é tão relativa quanto possa ser a determinação e o desejo de escutar.
É difícil assumir que estou aprendendo a escutar a minha própria voz. Ela é uma metacognição da escuta. Quando ouço um som que não é meu, mas deveria ser, penso sobre o meu próprio som.

Quero viver com os sons, porque quero estar junto dos meus afetos, das pessoas em geral e da cultura. Quero ouvir e saber o que o outro têm a dizer. Elas não irão aprender língua de sinais, porque não faz parte da cultura delas essa língua. Isso é um fato.
Diferenças linguísticas devem ser entendidas como formas de enriquecimento entre culturas e não como a negação delas.

Interculturalidade e bilinguismo....sei. Devem ser levados a sério, dos dois lados.

E quanto a tecnologia, bem, esta não anda de ré,

Angel

domingo, setembro 14, 2008

A propósito da Cegueira branca



..."Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a
razão, Queres que te diga 0 que penso, Diz, Penso que não
cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos
que, vendo, não vêem."


Quem seria louco de ficar sob o cobertor da cegueira?
Os cegos de Saramago, querem voltar a ver, e qd finalmente se curam da cegueira branca, percebem a cegueira humana.

Quero ouvir em cores.
Tenho o som e o silêncio simultaneamente. Que "virtude "será essa?

A língua de sinais não é a minha língua, mas hoje sei que é uma bela língua e quero apreendê-la.
O que tenho em comum com os Surdos, são os meus momentos de silêncio e minha linguagem visual, de resto sou Ouvinte.

O que todos deveriam ter em comum é a Escuta de que somos todos irmãos, ouvindo ou não.

Acordei encarnando o "Carteiro e o poeta" e fiz um registro com a minha câmera digital dos sons da praia de Itaipuaçú/RJ que dedico ao Dr Koji e à Valeria Goffi.

Angel

sexta-feira, setembro 12, 2008

Quando ouvir é ouvir

Gente, minha cabeça está a maior confusão desde que comecei a ler sobre " Estudos surdos". Meus eletrodos
chegam a doer!!!!
Eu sou surda, eu não sou surda, eu sou surda, eu não sou surda...o estranhamento continua e piora quando entra a neurobiologia e afirma: Vc não é surda!!!! Você ouve só de olhar e ouve de memória!!!
E este tem sido o meu caminho de reconciliação com a minha surdez. Reconciliação de gente que fala e lembra que já ouviu e ficou surda e volta a ouvir, e agora tá ouvindo pra caramba, mas quando tira o implante só ouve de memória...ai que complicação!!!!!!
Não dá para sermos mais inclusivos não????
Angel
Imagem: as mãos dançantes do Michel no MAC

terça-feira, setembro 09, 2008

P4- Vc não estranha de ser vc?

"As vezes você não estranha de ser você?"
Clarice Lispector

Hj gravei novamente a minha voz (a minha fala), como já venho fazendo desde o período de preparação do IC. Não é somente um registro, no sentido de comparar o antes e o depois, mas aproxima-se de uma tentativa de manter a memória viva do fato, do que é, do que foi e está sendo sentir e viver os diferentes momentos de cada etapa. As perdas, o medo da cirurgia, a vontade de ouvir, o convencimento para mim mesma acerca do medo de não ter que temer nada além do que é possível suportar e os ganhos.
A saudade de minha voz é algo inexplicável. Estranho a mim mesma. Essa voz. ...não é a minha voz, já disse por aqui. Como re-apropriar-me dela?
Gravei a minha voz, falei como nunca...e depois ouvi! Ela estava lá. Mais natural e melódica. Não sei como suportar essa voz de pato-pata. Preciso ressuscitar a minha voz. Reencarná-la seria o melhor termo.
Ouvir a minha voz gravada pelo meu ouvido implantado foi como matar as saudades. Ouço, é minha de fato. Colo o player no microfone da parte externa. O som estava bem mais baixo do que o som no meu ouvido surdo! Minha orelha surda toda vibra com a voz do player colada à ela (preciso cuidar para não ensurdecer mais ainda). Mas, no ouvido implantado, ela está mais baixa, assim perto ouvindo com P4. Ela vibra totalmente diferente. O som no cérebro compete com as ondas na orelha surda. São dois escutares.
P4 é ouvir à distância. É levar um susto ouvindo o som da ambulância dentro do banheiro!!! Quem colocou a ambulância lá? O som vinha da rua subindo pelo vão central do prédio! Por Deus, isso é um absurdo total! É inusitado! Aonde estão todos estes passarinhos??? Preciso procurá-los pq vão arrebentar o meu nervo auditivo. Eles sempre estiveram lá, no MAC, onde pratico Tai Ji? Sim, me disseram com naturalidade:
- São os passarinhos.
-Há, sim claro, são eles. Repliquei. Alguns estavam tão longe, e eram eles que eu escutei.

Hj caminhei bem devagar. Parei qd foi preciso e olhei, conferindo. Há várias espécies, andorinhas, bem-te-vi e gaivotas. Tem até um urubú cativo que adora Niemayer, e faz ponto toda manhã no lago do MAC. Acho que este não emite som nenhum. Mas não vou me admirar se algo puder ouvir deste urubú.
Ontem à noite havia uma música dentro da minha cabeça. Precisei procurar muito. Era no outro apartamento. Meu Deus, qual foi a última vez que ouvi uma música que não fosse perto? O Mundo mudou. Estranho tudo.
Ouvir não tem sido ouvir. Essa leitura labial que me exigiu tanto, que me aprisona aos lábios alheios, (procuro tb os olhos do ouvinte, eles falam como bocas) agora me "distrai" do escutar. Preciso libertar o meu senso visual. Preciso ouvir. Não quero só o closed caption, a legenda verdeiramente oculta é aquela que não posso ler. São códigos. Cada dia decifro mais um. Vou sintonizando aqui e ali. Algo me chama a atenção, olho, busco, eu preciso parar e contemplar. O mergulhador sabe bem disso. O prazer do mergulho está na contemplação. Preciso contemplar, meu mergulho agora é em águas diferentes. Foram turvas á princípio (bem sabia o que me esperava). Meus mergulhos oníricos anteciparam toda essa situação. Águas turvas onde a visibilidade zero me imobilizou a ponto de não querer submergir. Havia ainda uma ponte. Passar pela ponte, ainda não passei, mas toda ponte liga uma margem a outra. Que margens são essas? Uma conheço bem, pois nela estou, mas e a outra?
Sem ansiedade, preciso descobrir os sentidos do viver.
Peço à Deus que me torne uma boa ouvinte, daquelas que acolhem o som com benevolência e gratidão.
Agradeço por estar aqui na condição daquele que junta as partes, os sentidos, as impressões, conectando-as como um puzzle de mil peças!

Dia 19 de Setembro é o meu aniversário! Quero comemorar com muitas vozes amigas!
Angel

sexta-feira, setembro 05, 2008

P3- Imagem e som


Então o som é isso? As imagens são ruídos que vão se definindo, e a figura o som que preciso privilegiar?
O som da fala- da voz humana- é sempre um privilégio pois revela as pessoas. Já percebo a singularidade de cada voz, elas são muito diferentes, algumas mais baixas e finas e outras mais graves e sonoras. Infelizmente os tons agudos estão ainda distorcidos, como a minha voz. Será a minha voz tão aguda assim? Ou sou eu que não sei nada sobre agudos? Beneficiam-se os implantados com música? Uma coisa é certa, escutar música todos os dias é fundamental para mim. Hoje posso dizer que tive algum prazer ouvindo o som da música. Voltei à Tom Jobim e pude ouvir inclusive as participações especiais. A experiência musical é um pouco como esta ilustração acima. Há notas que se destacam mais que outras e tons mais altos e definidos e diferentes frequências que ainda não consigo alcançar. São sons que se perdem ao fundo e vão formando um zum, zum, zum que não sei o que é. Dependendo do local é só zum, zum, zum, como foi no Palácio de Cristal em Petrópolis domingo passado. Foram várias músicas, nas apresentações de artes marciais, mas para mim foi só zum, zum, zum do começo ao fim. Resta dizer que ao menos foi um zum, zum à oriental, pois qd o meu cérebro define o zum, zum musical ele é fiel ao estilo (rs).

Boas notícias: O som da ambulância voltou como era antes,-uom,uom,uom. As buzinas da motos são irritantes, pi-pi-pi, toda hora no meu ouvido, posso ouvir o liquidificador a três metros de distância, e acho que cada programa é mais potente do que o anterior (assim P3 é mais "potente" que P2). Cada vez que inicio o teste de um novo programa posso precisar reduzir a sensibilidade nos primeiros dias.
Minha sala é um problema sonoro. Não sei se é o ar condicionado ou o computador, mas tem muito eco. Tem muito ruído do lado de fora também, todos reclamam do ruído.
Talvez seja o eco que criou a ilusão da terceira voz, logo qd ativei o implante. Também preciso de mais conforto auditivo quando uso o computador. Ouço um som de interferência muito forte. Inclusive agora, enquanto estou digitando, posso ouvir maravilhosamente bem o som das teclas e um som de interferência a cada vez que teclo- como se o som se interrompe-se a cada teclada. Tenho um rádio dentro da minha cabeça!!!!!!!!!
Não é a toa que vem tantos acessórios dentro da caixa da Freedom. Para conseguir um melhor aproveitamento dos sons é preciso estar o mais próximo e fiel à ele. Assim posso estar conectada ao player MP3/4, a TV de alta definição, ao microfone de lapela e à outras maravilhas tecnológicas que me coloca em"contato com" o som. Não experimentei nada disso, mas estou louca para experimentar!
A maioria das pessoas tendem a achar que eu de fato escuto tudo, o que não e verdade. Mas, qd as encontro pela primeira vez após a ativação, e elas me perguntam se posso ouvir, respondo que sim, e isso cria mal entendidos. Agora digo assim: -Sim, posso ouvir a sua voz e muitos ruídos no fundo. Estou aprendendo a ouvir.
Preciso aprender a regular os agudos no som do carro. Ontem foi uma beleza, enquanto estava engarrafada na Linha vermelha definindo as configurações do som, ouvi um barulhão e um impacto na traseira do carro- POW!- uma motorista se chocou comigo parada!!!! Olhei pelo retrovisor, ela estava rindo- com um grupo de amigos! Desliguei o rádio e o carro, saí descalça, pq surdo dirige descalço e olhei se havia estrago. Perguntei se ela estava achando graça de alguma coisa. Ela disse que "não". Por quê estava rindo então? Não houve estrago. Pensei, -Meu Deus, este cenário, no qual posso participar como ouvinte é um privilégio, deixa estar que tudo é relativo. Também eu preciso aprender a rir mais!
Angel

domingo, agosto 31, 2008

Entremeio-Tai Ji na montanha



Dia chuvoso em Petrópolis, perfeito para o "Tai Chi na Montanha", no Palácio de Cristal.
Tb esteve presente outro implantado do nosso grupo ToTao, que está se beneficiando muito com a prática.
Nem preciso dizer que vertigens e zumbidos nunca mais.
Dica da semana: ouvir música e rádio no engarrafamento...começa assim: o que é locutor, o que é música? Depois vai ficando assim, Mulher ou Homem? Em seguida Nacional ou estrangeiro? Enquanto vc vai somando os pontos o carro anda e a minha escuta seletiva idem (he, he).
Só falta curtir a música né?
Não apresse o rio, ele segue sozinho.


Link abaixo,
Angel

http://picasaweb.google.com/angelimago/TaiJiNaMontanhaPalCioDeCristal310808

quinta-feira, agosto 28, 2008

P2




Hoje reuni meus alunos do semestre passado e comemorei duas semanas de ativação ouvindo novas vozes. Foi muito divertido e um pouco emocionante. A personalidade de cada um está impressa na voz, ou seria ao contrário?
Sinto-me mais segura, menos vulnerável ao ambiente. Posso perceber qd me chamam e minha voz está bem diferente, todos notaram.
Um professor da Física lembrou que minha voz estava alta antes do implante e também minha amiga fono. Fiquei feliz e constrangida. Berrei tanto assim?
Este programa que estou testando parece ser bom para ouvir vozes na TV. Parece direcionar o som para a voz humana. Matei as saudades das vozes conhecidas do Bonner e da Fátima Bernardes do Jornal nacional.
Algumas vozes caem tão bem, tão mais naturais, outras, geralmente a das mulheres são monótonas, artificiais e anasaladas. O grave cai bem, as vozes masculinas são as mais agradáveis, melódicas e prosódicas.
No atendimento com minha fono na UFRJ, estivemos em sala acústica e foi o paraíso na Terra. Também participei de uma reunião hoje em uma sala silenciosa e me senti tão poderosa, tão ouvinte. Posso entender o que está sendo explicado e posso interagir, tomar decisões. O surdo sofre muito com isso, com esse atraso da informação. A mensagem fica pelo caminho, truncada, sendo por vezes, muito difícil participar de encontros/reuniões onde decisões precisam ser tomadas. Sofri muito com isso, de tal forma que já estava começando a me ausentar destas situações totalmente fora de controle para mim.
A minha sala é terrivelmente barulhenta. Ainda não sei como resolver isso. Precisei baixar a sensibilidade e o volume várias vezes nesta semana. Devo dizer que o som está bem mais alto de P2 em diante.
Embora esteja dependente da leitura labial, consegui falar ao telefone com algumas pessoas e cheguei mesmo a acreditar que tem sido mais fácil “ouvir” ao telefone. Depois fiquei imaginando se a minha dependência da leitura labial poderia mascarar um pouco os sons, diminuindo minha atenção auditiva.
È sempre muito gratificante ouvir sem ler lábios. Isso ocorreu algumas vezes.
Durante minhas caminhadas ouvi as vozes dos passantes, diferentes sons do trânsito (motor, buzinas e sirenes) e o som do lixeiro varrendo o lixo. Tudo isso me fascina, pois não faziam mais parte de meu mundo. Eu estive em outro lugar e agora estou retornando.
As vozes na rádio estão voltando como lembranças antigas que dizem:-Olá, lembra-se de mim? Sim! Lembro-me, sejam bem vindas!
Uma grande alegria foi ouvir a voz de meu irmão de doze anos, filho de meu pai com a minha doadora.
Será que estou voltando para casa?
Ou estarei indo de encontro a um novo lar?
Ontem ver era ouvir, hoje ouvir é ver.
Angel

quarta-feira, agosto 20, 2008

P1

Uma semana com o P1 (programa 1) do Implante coclear (IC):

Preciso dizer que ouvir P1 reflete curiosidades em relação à P2, P3 e P4. Estão todos em minha cabeça, adormecidos. A minha nova audição é uma soma das partes, o grande todo virá com o tempo.
Comemorei uma semana de P1 com música.
Parei tudo, fui para o meu canto. Fechei todas as janelas, preciso de som só de música. São muitos sons novos nesta semana, mas quero começar com a minha escolha inicial. Cantos gregorianos (Elégias fúnebres- cânticos e preces para reverenciar os mortos). Gosto destes cantos...
Pensei que seria mais fácil (rs), kkkkkkkkkkkk....
Percebi algumas variações de timbres, depois uma vox no fundo. Deve ser um morto, pois mal posso ouvi-lo..Fiquei nessa um tempão, mas não tava batendo com a minha lembrança auditiva dos Chants.
Peguei Tom Jobim. Se não deu com os cânticos, vamos homenagear os 50 anos da Bossa. Tudo no escuro. Tateando o CD player coloquei a primeira: "lá,lá, lá....quando a luz dos olhos meus e a luz dos olhos seus resolvem se encontrar...lá, rá, lará, lará!!!!!"
Agora foi! Estava longe, longe.Tive de pular para P4, só para ver como ficava e ficou mais audível.
Segunda música, ainda no escuro..."São as águas de Março fechando o verão, é promessa de vida em seu coração...rs!!!"
Só consigo acompanhar se conheço a música. Mas a música estava lá!!! Sempre esteve, só que eu não conseguia ouvir. Esses sons vão se ajustar, lará,lará...porque não? Claro que vão, a não ser que alguém diga que não é possível. Quero continuar na ignorância do possível e libertar a minha audição.

Ainda na sequência Mark Knopfler e Cazuza. Com letra é muito mais claro o som. Preciso de significado, de signos sonoros mais conhecidos. Tb ouvi ao piano: do,ré, mi, fá, fá, do, ré do, ré, ré, ré, do, sol, fá mi, mi, mi, doremifá!!!! Facinho.
O som da ambulância foi no engarrafamento da ponte. De repente um pi, pi,pi,pi....achei estranho, pensei, o aparelho pifou....desliguei, liguei novamente...não demora passou uma ambulância, aaaaaaahhhhhh, é isso.
Hj dirigindo, ouvi o som novamente pi,pi,pi........, rá, rá, agora não me engana, procurei pelo retrovisor e lá estava a bendita lá atrás com a luz piscando. Aprendi, mas
que fique bem claro, não era o som da ambulância que eu me lembrava, Na mesma hora que ouvi hj, soube que era a ambulância, mas tive de rebatizar e dizer adeus (ao menos momentaneamente) à minha "antiga ambulância".
Prestei mais atenção à música. Parece que é qd começo a ficar cansada (de estimular o nervo auditivo) é que entra a voz cavernosa do "Darth Vader" e então fico ouvindo duas vozes.
Foi assim durante a semana: primerio três vozes e agora duas vozes.

Minha voz:
A minha voz está bastante metalizada. A impressão inicial que tive logo no primeiro dia, da lembrança da minha voz e o novo som metalizado conviviam. Hj percebo que não posso mais ouvir a lembrança de minha voz. E foi assim que a terceira voz sumiu. E penso: - Terei de dar adeus à lembrança da minha voz?
As únicas vozes que estão batendo com a minha lembrança são as masculinas de tom grave. A voz de meu pai está lá onde deveria estar. Fiquei muito animada de ouvi-lo. Como moramos longe, liguei para o seu celular, e era ele com certeza. Ouvi algumas palavras simples e matei as saudades de sua voz.
Sons novos: telefone convencional tocando (toca diferente), pisca-pisca da seta do carro, micro-ondas (som muito desagradável), liquidificador (som baixo-fiquei surpresa), o som do motor do carro (não diferiu muito, pois o carro vibra e era um dos únicos sons que conseguia ouvir bem pela vibração), ar condicionado (som muito desagradável).
O som em ambiente aberto é melhor do que o de ambiente fechado com acústica ruim, como é o caso de uma das minhas salas de trabalho (sala de reuniões). É um som de apito alto, com distorção forte das vozes, beira o insuportável, e está sendo muito cansativo.
Sempre que ligo o BTE ouço um som tipo zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz, um som alto que incomoda, mas é um som constante, diferente da pós ativação, qd ouvia sons distintos. Depois entram os sons ambientais difusos .
Estou formando uma "paisagem de sons"como disse um amigo meu. Gostei. Quem sabe uma poética da percepção?
Coisa curiosíssima. Posso ouvir músicas num tom extremamente baixo, até para parâmetros ouvintes. Consegui ouvir o som, mesmo baixo da música, em outro cômodo.
Engraçado isso, eis um som que não precisarei fazer ajuste auditivo, pois já não ouvia há muito tempo mesmo, o som de coisas distantes. Ouvir um som conhecido à distância me fez ficar mais atenta a outros sons de difícil identificação como as "vozes escondidas" de uma TV que não está visível, que interpreto como vozes do além, até que alguém me localize a fonte.
"Vozes do além" são muitos frequentes, e preciso de ajuda para achar a fonte. Seja de vivos ou mortos, elas existem :)


Angel
20-08-08
Foto: Disparo múltiplo com câmera de celular
BTE= parte externa do
implante= behind the ear

domingo, agosto 17, 2008

Ativei!!!!


Quarta-feira (13-08-08), S.P, Fundação Otorrrino. Hora de ativar.
O que será que vou ouvir, foi a pergunta que não quis calar durante todo este tempo de espera...
A resposta:

primeiro minuto após os ajustes iniciais e testes feitos pela Fonoaudióloga/audiologista da FORL :
BRRRRpipipipjhdfguivh4thilkrwrwrwrwrwrwrwrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr trrrrrrrrrqqqqqqqqquuuuuuuuiiiiiiiiiiiizzzzzzzzztruuuuuuuuuuuublingbling


Desânimo beirando o desespero...-É só isso??????

Após alguns minutos...-Angela consegue ouvir melhor???

-Tudo metalizado, muito cibernético....aaaaaaaaai minha voz está ridícula!!!!!!

-Parece meio desanimador mesmo no começo.... Replica Valéria.( e explica-me como é difícil convencer ao implantado que os sons irão melhorar no inicio da ativação)

-Uma barulheira, tinido, tudo meio disforme, uma massa de sons.Reclamo.

Não chega a assustar mas não é nada agradável, tipo passarinhos cantarolando alegremente anunciando o retorno da audição adormecida.
.....
Entre os ruídos começo a identificar a voz de minha mãe. Ela está assustada e me pergunta como sinto a voz dela.
Resposta: Bem melhor do que a minha, qq voz parece melhor do que a minha. Sou a namorada do pato Donald....
Primeiras informações técnicas:
Abrir uma caixa enorme da Freedom e descobrir tudo o que há lá dentro: video, manuais, pilhas recarregáveis, coisas nunca antes vistas como um desumidificador com luz ultra violeta, mais um monte de tampinhas, e acessórios...e claro o ursinho surdo Coala. Um adorno afetivo a mais. Abraço o Coala. -Meu Deus, chegou a minha vez. Estou ouvindo coisas, vozes...Até q. esse ursinho ajuda nestas horas.
Primeiro mapeamento e 4 programas a serem testados:
P1- No primeiro dia após a ativação-
Reconheço a voz humana, mas metalizada, está fora de estação, distorcida. Começo a ouvir o som dos saltos do meu sapato.

O olho escuta, meu cérebro escuta o que o olho escuta e o novo som que está sendo codificado.
São três sons agora: o do olhos que escutam pela memória auditiva, som de voz metalizada e terceiro som da voz do "Darth Vader" de Guerra nas estrelas. Para quem não ouvia nada, ouvir assim é meio bizarro. Essa voz distorcida do Darth
Vader é meio assustadora, daonde veio?.
Meio agoniada peço para alguém testar o microfone e ouvir com um ouvido de ouvinte, destes que escutam o que deve ser escutado. Não tem distorção.....só pra mim. Um som, três medidas.
Três dias após a ativação- o som da TV não dá muito para ouvir, parece que tá longe com esse programa. Ouvi a campainha e carros buzinando. O ar condicionado faz um barulho monótono, enche a minha cabeça. Preciso desligar.
Quarto dia- ouvi o som dos talheres e música no treino do Tai Chi- não era a "Música", era um som que parecia alguma coisa que já ouvi, meio estereotipado. A música da sequencia de 24 posturas, não reconheci. Não consigo escutar música, cedo demais.
Tive curiosidade de testar P4, o som ambiente ficou mais perceptível que P1.

P1 abafa o som, fica mais suave, menos audível.
Mexer no volume não dá em nada, fica tudo na mesma de 0 a 9- quase a mesma coisa

Sensibilidade altera a percepção do som.
Embora tenha baixado ambos no segundo dia, agora estou direto na configuração original
sensibilidade-12
Volume-09

Se abusar
do tempo de uso do IC depois o zumbido vem com tudo, a cabeça vira uma caixa de som ressonante por horas, deve ser devido a sensibilização do nervo auditivo. Preciso descansar e lembrar-me que meu corpo é complexo e tudo precisa de tempo para se adaptar.
Lembrar sempre disso
Angel
17-08-08


sábado, julho 26, 2008

Implantei!!!!

Ontem morreu Randy Pausch, o professor americano que tinha câncer no pâncreas. A aula dele foi linda não? Quem ainda não assistiu pode acessar a "Ultima aula" no youtube, ou versão em livro. A questão é que o cara fez uma aula sobre o valor da vida e da alegria, para deixar para os seus filhos, para que eles assistissem. Um réquiem pós-moderno.

Na quarta feira passada (16-07-08) foi o dia da cirurgia do meu implante coclear. ou ouvido biônico. Foi uma cirurgia do tipo marca-remarca, devido à problemas de autorização do plano de saúde (acabei operando sob liminar) e devido às minhas plaquetinhas que vivem em baixa.
Tenho feito todo o meu acompanhamento para o implante na Fundação Otorrino laringologia (FORL) do HC/FMUSP e na UFRJ (saúde auditiva) e foi no HC que operei.

Foi uma experiência difícil do ponto de vista clínico. Como realizar um cirurgia sem fator de coagulação? Não era a primeira vez, é certo, mas para aquela equipe era a primeira vez. Foi mais uma tentativa de convencimento sobre a minha condição de saúde do que a dificuldade inerente ao procedimento cirúrgico em si. Acabei operando com uma taxa muito baixa de plaquetas e não sangrei. O sangue define, sempre. Minha marca.

Penso que houve uma conjunção de fatores naquele dia que resultaram em sucesso.

Na semana anterior, quando a cirurgia havia sido cancelada, eu estava muito receosa e com medo. Tudo me parecia fora de lugar e inadequado. Quando sinto medo assim não é bom continuar. Então houve o cancelamento. Bate boca no centro cirúrgico (claro que só vi, não ouvi) e a anestesista julgou arriscado o procedimento com aquela baixa de plaquetas e sem sangue disponível no hospital. História longa, complicada como sempre, mas o fato é que precisava de concentrado de plaquetas filtrado por aférese, etc, etc e mais etc.

Pula

Fiquei aliviada, e no grande dia foi tudo muito diferente, tudo estava à favor.

Primeiro me depositaram na sala de espera próxima ao centro cirúrgico. A maca, velha conhecida, ao lado de um receptor de transplante de cadáver, o sr Francisco. Deu para desejar muito boa sorte. Preciso me lembrar de ver se correu tudo bem. Pensei: “Que maravilha- vai ter transplante!”

Meu cirurgia Dr Robinson Koji Tsuji veio me ver e me tranquilizar. Olhei para ele, sua boca se moveu. Seria hoje com certeza. Pergintei sobre o uso do DDAVP ( um tipo de "medicamento"utilizado em situações hematológicas como a minha). - Não vamos usar, só abaixo de 40.000 plaquetas. Senti o peso da responsabilidade, a aminha pois meus exames estavam em torno de 39.000 plt e da dele, responsável pela delicada cirurgia que iria mudar a minha vida. Respondi- Pode contar comigo.

Em poucas horas 200 anos de tecnologia, desde Alessandro Volta até o último modelo da Cochlear estariam dentro de minha cabeça.

Dentro do centro cirúrgico fui super-bem recebida por todos, e até a iluminação estava ótima. Dr Koji sempre me passou muita confiança e sinto que trabalhamos em conjunto. A equipe da Forl tem boa escuta, eles sabem ouvir e isso tem sido ótimo.

Acompanhei os procedimentos dentro do centro cirúrgico, os aparatos ao redor, minha RM no negatóscopio sendo discutida entre os cirurgiões e meus segundos antes de apagar:

- Vc fez o anestésico? Perguntei.

-Sim, "respondeu" o anestesista.

-Ok, estou indo. E apaguei.

Ao acordar vi Dr Koji ao meu lado:

- Testamos seus eletrodos e estão todos funcionando!!!!Disse alegremente

-Sim claro, que maravilha. Devo ter dito, com todo aquele curativo na cabeça, uma mistura de Carmem Miranda com maluco beleza. Voltei a apagar e só acordei no quarto onde minha mãe me aguardava com suas preces

Minha orelha dói bastante ainda. Pensei que o pós fosse mais light. Não gosto de tomar muito remédio, então estou agüentando por aqui, ocasionalmente um Paracetamol prescrito. Uma sensação de oclusão na orelha direita, pudera, está cheia de eletrodos grudados na minha cóclea.

Estou com uma vertigem bem bacana tb. Não tá dando para abaixar a cabeça senão....o corpo vai junto. Caminhadas e Tai Chi, são o meu remédio.

Blz, vou voltar a ouvir então.

Bip, bip !!!

Angel

A imagem no topo é de uma cerâmica que fiz, a última antes da cirurgia e que presenteei o meu cirurgião. Um concha, com som de mar e tudo! Incrível, do silêncio criar um som.

domingo, abril 27, 2008

Remando no LIXO!!!!!

Olha o que dá querer fotografar as praias da baía de Guanabara durante as remadas.
E nem foi depois da ressaca!

Angel

Caiaque na orla

Dia Mundial do Tai Ji Chuan 2008

Que beleza, todo mundo praticando Tai Ji, Qigong, no Campo de São Bento em Niterói
Algumas fotos do Dia mundial em meu álbum

Angel

sábado, março 01, 2008

Tai Ji Chuan e saúde


Durante o processo de adoecimento e aceitação do diagnóstico de uma doença grave, seguem-se diversas fases conhecidas como negação, raiva e revolta, barganha, depressão e aceitação.
A aceitação de uma doença crônica como a doença renal em seu estágio final, incluindo a adaptação à diálise e a preparação do transplante envolve o engajamento dos familiares, amigos, médicos, terapeutas e, um esforço continuado daquele que sofre a doença. As mudanças corporais e o sofrimento psíquico são fenômenos complexos e de difícil compreensão e aceitação.

Compreender a saúde como um processo criativo que permite lidar com as adversidades da vida de um modo transformador é uma arte.
É muito importante no adoecimento e na busca pela cura a percepção do que é essencial para o bem viver. Nem sempre é fácil manter o foco em um estado de saúde dentro da diversidade de entendimentos que a doença acarreta.

As escolhas feitas ao longo da vida dependem, fundamentalmente, daquilo a que atribuímos valor e, o que é percebido como vital e essencial no dia-a-dia pode ser modificado de uma hora para outra, bastando a vida puxar-nos o tapete. Nestes momentos, mais do que nunca, somos forçados a buscar diferentes caminhos que possam aprofundar a percepção do ciclo da vida.
Uma antiga prática holística chinesa que vem sendo incorporada ao cotidiano da vida moderna de muitos chineses, bem como, cada vez mais, na vida de entusiastas praticantes no ocidente, é o Tai Ji Chuan (também grafado Tai Chi Chuan ou Taijiquan). Originalmente proveniente do sistema das artes marciais chinesas, a prática do Tai Ji Chuan seguiu um curso de evolução próprio, distinto, voltando-se mais para o cultivo da saúde e do bem estar, do que a destreza na luta ou na defesa pessoal. Em consonância com as bases fundamentais da medicina tradicional chinesa, a saúde e o bem estar devem se cultivados de forma holística, ou seja, integrando o corpo, a mente e o espírito num todo orgânico. Tal concepção remonta os ensinamentos da doutrina Taoista, que concebe uma interligação entre tudo o que há através de um contínuo movimento dinâmico entre os opostos complementares, simbolicamente representados pelas duas polaridades energéticas YIN e YANG. Desta forma é que Tai Ji Chuan se traduz como a “arte marcial da suprema polaridade”.
Representado graficamente pela mônada chinesa, o símbolo do yin-yang é descrito por Huang (1999) como “o entrosamento, a união-dissolução do movimento dentro de um círculo cujas energias semelhantes, e ao mesmo tempo contrastantes movem-se juntas”.
Nesta representação, dentro da área em negro notamos um ponto branco, e na área branca em forma de peixe, um ponto negro. A idéia básica teria como finalidade demonstrar que o todo, ou a unidade, abrange a polaridade e o contraste. O contraste, como bem ilustra o símbolo, é percebido não como oposição antagônica, mas como complementariedade em contínua interação dinâmica. Segundo Huang, a prática do Tai Ji Chuan pode nos ajudar a perceber o desequilíbrio e o recuperar o centro, restabelecendo o fluxo dinâmico entre os dois pólos. O movimento lento e circular do Tai Ji Chuan ajuda a promover a integração entre o corpo e a mente do praticante, devido ao estado meditativo que a prática induz. O Tai Ji Chuan é, portanto, uma forma de meditação em movimento, já tendo sido amplamente comprovada a sua eficácia na dissolução de tensões internas, sejam físicas ou emocionais. No Tai
Ji os movimentos são externamente ‘suaves’ mas internamente ‘vigorosos’. Os movimentos aparentemente suaves são gerados internamente a partir do sítio da energia vital, o “Dan Tien”, localizado numa região interna do corpo, três dedos abaixo do umbigo, de onde o “Chi”, a energia vital, emana e se propaga por todo o corpo durante a prática do Tai Ji Chuan. A suavidade no Tai Ji, portanto, não é uma suavidade mole, vazia, mas uma suavidade com substância, carregada de energia vital, plena de “Chi”.
Podemos descobrir o quanto é agradável e saudável a prática de uma habilidade física e espiritual como o Tai Ji. Segundo os princípios das artes marciais, o corpo não é considerado um inimigo, mas sim, uma grande e preciosa ferramenta e, a mente, não é considerada um final, senão uma ponte. Os exercícios de meditação em movimento como o Tai Ji Chuan, Lian Gong, Chi Kung entre outros, tem como principal objetivo, a promoção e a manutenção da saúde por meio de técnicas respiratórias, meditação, posturas e movimentos.
Muitos estudos tem sido conduzidos na área médica, inclusive com grupos de controle por um período de tempo, enfocando os efeitos da prática regular do Tai Ji Chuan sobre as condições físicas, fisiológicas e de saúde de uma forma geral. Alguns autores da área de geriatria e medicina do esporte buscam a comprovação dos efeitos do Tai Ji na manutenção do equilíbrio corporal, no controle da pressão arterial, na fibromialgia e na artrite. Os movimentos suaves do Tai Ji ajudam na manutenção da flexibilidade, da postura e do equilíbrio e, no relaxamento e fortalecimento muscular dos membros inferiores. Outros estudos vem comprovando a eficácia da prática do Tai Ji sobre a redução da pressão arterial e sobre o sistema cárdio-respiratório, reduzindo o nível de cortisol na corrente sanguínea. Grande parte dos artigos referem-se ao estudo do envelhecimento e da prevenção de quedas.
Alguns movimentos do Tai Ji promovem exatamente uma sensação de “fluir das ondas” conectando o praticante consigo e com o ambiente natural, tornando a percepção deste como parte integrante de si. O Tai Ji Chuan deve ser preferencialmente praticado em lugares abertos, ao ar livre, para que o praticante possa estar em conexão com a natureza. O contato com a luz solar, a brisa marítima, o frescor das montanhas, o farfalhar das folhas das árvores e o acalanto do céu são terapêuticos por si só e devem ser integrados à pratica do Tai Ji. Numa situação extrema oposta, estão os pacientes renais crônicos, nas suas rotinas de hemodiálise. Noites, dias e tardes vividas em lugares fechados, com odores e sensações desagradáveis, temores e receios de todo o tipo. A dependência de máquinas, movimentos limitados por agulhas, câimbras e dores articulares resultam numa linguagem solitária repleta de simbolismos e perdas.
O céu para o renal crônico por vezes é nublado e a luz artificial das salas de tratamento vão, sistematicamente, povoando o imaginário dos dialisandos. Parece quase inevitável a fuga, o desejo de não querer viver esses momentos. Não é incomum negar o momento de diálise e isolar-se pelo sono, assistir passivamente à tv ou permanecer prostrado sem nada a fazer. Mas o momento existe e ali está, a cada segundo que se respira e, não se pode ignorar isso. A liberdade de ir e vir não deve ser roubada dos dialisandos. A esperança e o medo são os sentimentos prevalentes neste grupo. Nenhum destes sentimentos operam no presente. O presente é constituído de restrições alimentares, de ciclos intermitentes de inundar o corpo com toxinas que alteram a cor da pele, o hálito, os ossos e as mentes que aguardam por uma filtragem sistemática do sangue.
De fato é muito difícil buscar a saúde nestas condições. Mas a saúde lá está, mesmo no corpo doente, fragilizado, intoxicado e combalido pelo sofrimento. Em grande parte é no sofrimento que o espírito ganha força e desperta. Há espaço neste corpo para um movimento gerador de transformação, de força e de suavidade. De fato há muitas possibilidades e o Tai Ji é uma delas. Um movimento constante de ir e vir, sem muitas preocupações quanto ao destino final. Para além de movimentos que promovem vigor interior, tonificação dos músculos, aumento de flexibilidade, coordenação e força, há a redução do estresse, o fortalecimento da energia vital e o aumento da consciência corporal. Uma consciência de estar vivo, em todos os momentos.

Percebemos na prática do Tai Ji, por experiência pessoal, e por observação dos praticantes devotados, que mesmo um corpo adoecido pode reencontrar a saúde por meio da meditação em movimento. Aos poucos vai ocorrendo um diálogo entre a mente e os órgãos internos liberando a linguagem do coração, aquela que perdoa as limitações de um corpo que já não pode responder com toda a desenvoltura do corpo são, e exatamente por este motivo, necessita ainda mais de compaixão.
Durante a prática do Tai Ji Chuan, o praticante deve esvaziar a mente de pensamentos que possam roubar-lhe a atenção, que deve estar focada na sintonia do corpo com o movimento e a consciência. O eixo vertical, que alinha a coroa no topo da cabeça com a coluna vertebral até o cóccix, deve estar aprumado, estabelecendo assim, através da postura corporal correta um canal de conexão entre o céu e a terra. Esta consciência axial deve se estender até a sola dos pés, em busca de um sentimento de “enraizamento”, suscitado pela imagem de uma árvore que aprofunda as suas raízes para manter o seu eixo vertical. Obviamente, o enraizamento no Tai Ji não vai imobilizar os pés no chão. O movimento lento e cultivado pela prática conduz o eixo e o enraizamento ora para uma perna, ora para outra, conforme os passos dados ao longo da sequência de movimentos e formas que se sucedem. Cada passo deve ser dado com esse sentimento de enraizamento, ou seja, de profunda conexão com o chão, com a terra. Alia-se a este trabalho de enraizamento, a prática do relaxamento, tanto físico como mental, por meio de uma respiração naturalmente lenta e profunda. O corpo deve estar solto, e a mente tranqüila para que os movimentos se sucedam de forma fluida e contínua, propiciando, assim, uma boa circulação do Chi.

O corpo é a nossa primeira base de consciência instintiva, de fome, defesa, por meio dos quais a consciência emerge. As experiências e memórias verbal e corporal vivenciadas pelos renais cônicos nem sempre são boas devido a rotina e angústia do tratamento necessário. Após o transplante renal a primeira impressão vivenciada é a de libertação, renascimento. A sensação de ter trocado de corpo é vivido como uma benção e a manutenção da saúde uma necessidade. Em ambas as condições: diálise ou transplante são necessários a paciência e o auto-conhecimento para suportar a prova da doença e das limitações. Quando praticamos Tai Ji, observamos e sentimos no corpo uma prática possível, baseada em movimentos possíveis para pessoas com limitações articulares, cardiovasculares, metabólicas, entre outras. A cada seqüência somos testados em nossa paciência, perseverança e persistência por meio de uma prática que alia movimento físico e mental. O que importa não é um desempenho quantitativo, mas qualitativo que se traduz, metaforicamente, como um caminho trilhado pelo praticante.

A vida nos convida a explorar várias direções para encontrar novos significados e olhar uma ou mais situações de modos diferentes e criativos. Quando mantemos uma postura inflexível a mudança dificilmente ocorre. Quando abrimos finalmente os olhos, podemos perceber que tudo pode ser mais fácil do que imaginávamos. A criatividade não tem fronteiras de qualquer tipo e a mente humana não deve ter restrições ou barreiras para desenvolver suas capacidades. Aos meus amigos renais crônicos faço um convite singelo: experimentem J. Experimentem cada momento de suas vidas, agindo de forma a transformá-la e de vivê-la em paz.
“Não se preocupe em ‘entender’.
Viver ultrapassa todo entendimento”

Clarice Lispector – A via crucis do corpo.


Eu pratico Tai Ji há dois anos e meio e o compreendo como uma forma de emancipação definitiva da cadeira de hemodiálise na qual sentei-me por oito anos.
Eu e Chang escrevemos este texto a 4 mãos.
Chang Whan começou a estudar e praticar o Tai Ji Chuan em 1989 na California com a Mestra Shen Hai Min. É professora de Tai Ji Chuan em Niterói desde 1994.

segunda-feira, janeiro 14, 2008