Total de visualizações de página

terça-feira, setembro 09, 2008

P4- Vc não estranha de ser vc?

"As vezes você não estranha de ser você?"
Clarice Lispector

Hj gravei novamente a minha voz (a minha fala), como já venho fazendo desde o período de preparação do IC. Não é somente um registro, no sentido de comparar o antes e o depois, mas aproxima-se de uma tentativa de manter a memória viva do fato, do que é, do que foi e está sendo sentir e viver os diferentes momentos de cada etapa. As perdas, o medo da cirurgia, a vontade de ouvir, o convencimento para mim mesma acerca do medo de não ter que temer nada além do que é possível suportar e os ganhos.
A saudade de minha voz é algo inexplicável. Estranho a mim mesma. Essa voz. ...não é a minha voz, já disse por aqui. Como re-apropriar-me dela?
Gravei a minha voz, falei como nunca...e depois ouvi! Ela estava lá. Mais natural e melódica. Não sei como suportar essa voz de pato-pata. Preciso ressuscitar a minha voz. Reencarná-la seria o melhor termo.
Ouvir a minha voz gravada pelo meu ouvido implantado foi como matar as saudades. Ouço, é minha de fato. Colo o player no microfone da parte externa. O som estava bem mais baixo do que o som no meu ouvido surdo! Minha orelha surda toda vibra com a voz do player colada à ela (preciso cuidar para não ensurdecer mais ainda). Mas, no ouvido implantado, ela está mais baixa, assim perto ouvindo com P4. Ela vibra totalmente diferente. O som no cérebro compete com as ondas na orelha surda. São dois escutares.
P4 é ouvir à distância. É levar um susto ouvindo o som da ambulância dentro do banheiro!!! Quem colocou a ambulância lá? O som vinha da rua subindo pelo vão central do prédio! Por Deus, isso é um absurdo total! É inusitado! Aonde estão todos estes passarinhos??? Preciso procurá-los pq vão arrebentar o meu nervo auditivo. Eles sempre estiveram lá, no MAC, onde pratico Tai Ji? Sim, me disseram com naturalidade:
- São os passarinhos.
-Há, sim claro, são eles. Repliquei. Alguns estavam tão longe, e eram eles que eu escutei.

Hj caminhei bem devagar. Parei qd foi preciso e olhei, conferindo. Há várias espécies, andorinhas, bem-te-vi e gaivotas. Tem até um urubú cativo que adora Niemayer, e faz ponto toda manhã no lago do MAC. Acho que este não emite som nenhum. Mas não vou me admirar se algo puder ouvir deste urubú.
Ontem à noite havia uma música dentro da minha cabeça. Precisei procurar muito. Era no outro apartamento. Meu Deus, qual foi a última vez que ouvi uma música que não fosse perto? O Mundo mudou. Estranho tudo.
Ouvir não tem sido ouvir. Essa leitura labial que me exigiu tanto, que me aprisona aos lábios alheios, (procuro tb os olhos do ouvinte, eles falam como bocas) agora me "distrai" do escutar. Preciso libertar o meu senso visual. Preciso ouvir. Não quero só o closed caption, a legenda verdeiramente oculta é aquela que não posso ler. São códigos. Cada dia decifro mais um. Vou sintonizando aqui e ali. Algo me chama a atenção, olho, busco, eu preciso parar e contemplar. O mergulhador sabe bem disso. O prazer do mergulho está na contemplação. Preciso contemplar, meu mergulho agora é em águas diferentes. Foram turvas á princípio (bem sabia o que me esperava). Meus mergulhos oníricos anteciparam toda essa situação. Águas turvas onde a visibilidade zero me imobilizou a ponto de não querer submergir. Havia ainda uma ponte. Passar pela ponte, ainda não passei, mas toda ponte liga uma margem a outra. Que margens são essas? Uma conheço bem, pois nela estou, mas e a outra?
Sem ansiedade, preciso descobrir os sentidos do viver.
Peço à Deus que me torne uma boa ouvinte, daquelas que acolhem o som com benevolência e gratidão.
Agradeço por estar aqui na condição daquele que junta as partes, os sentidos, as impressões, conectando-as como um puzzle de mil peças!

Dia 19 de Setembro é o meu aniversário! Quero comemorar com muitas vozes amigas!
Angel

Nenhum comentário: