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segunda-feira, novembro 27, 2006

Se lançar






Neste domingo combinamos uma caminhada ao topo da Pedra Bonita, na Gávea. Chang, havia convidado o grupo do Tai chi para uma descida de asa Delta no retorno. Era assim que queria comemorar o seu aniversário. Topei. Não havia nada em mim que dissesse que eu não devesse tentar, apenas o tempo, um pouco nublado.
Na rampa havia muitos pilotos, asas em espera pelo vento para ganhar altura. Conforme a natureza deixava, saltava um e depois outro para o vôo duplo. Escolhi com quem iria saltar. Falar em confiança é algo surreal. Não conhecia ninguém ali, confiei na intuição e no estado de conservação da asa. Ou vc confia ou não...
Na lateral da rampa há duas tirinhas prateadas que balançam a menor oscilação provocada pelo vento. É preciso esperar. O piloto faz uma simulação no solo da corrida que terei de enfrentar na rampa. Já com o colete e capacete vestidos ele explica: "É preciso correr. Aqui é ao contrário, se não correr o bicho pega. Já tivemos algumas experiências desastrosas...o sujeito pára na descida da rampa, ou não corre e a asa não sobe"...Resolvi que iria correr muito. Treinamos a corrida. Corri. Novamente. Corri com muito mais velocidade. "Está ótimo"- disse o piloto. Perguntei: "É só fazer isso?. "É!". Parece fácil, pensei.
A asa está em posição, o piloto fixa os ganchos no topo do Delta. Checa tudo, me explica o que fazer com as pernas depois da decolagem. Subimos a rampa. Devo olhar para frente, antes procuro pela fitinha prateada, ainda não está em posição, penso em dizer isto ao piloto, respiro, não falo nada, ou vc confia ou não, já tinha feito a minha escolha. Ele ordena: CORRE!. Olho para frente, corro junto com ele e me lanço rumo ao atlântico. Momento mais difícil. Eu nunca havia feito isso antes, provavelmente nem vc que está lendo. É isso: se lançar para o desconhecido. Ajustei as pernas e o corpo se alinhou com a asa, minha mão esquerda sobre o ombro do piloto. Confiança. No meu lado direito a pedra da Gávea, imponente, majestosa. O rosto de pedra me olhando de frente, como uma esfinge, penso que vamos de encontro à ela.
As fotos são tiradas com um controle remoto que fica na mão direita do piloto, conforme ele aciona o controle e solta uma das mãos, a asa desvia para o lado da Pedra, estamos perto demais...
Curva para a esquerda, estamos sobre o mar de São Conrado. Mar mesclado de verde escuro e esmeralda. Poucos banhistas, alguns surfistas na ponta da encosta da Niemayer, são os meninos da Rocinha. Sobrevoamos com calma o mar. Pergunto a altura, juro que não me lembro da resposta, Muito, muito alto talvez. Ipanema aparece mais a frente, curva fechada, vejo o maciço da Tijuca, a Floresta é o nosso maior presente. Deveriamos ser agradecidos nesta cidade. Fecho os olhos, agradeço por alguns minutos, deixo sair a angústia e dor de experiências passadas, quando fui lançada ao desconhecido involuntariamente. Meus amigos de cadeira, sinto por todos eles, lavo nosso sangue, lavo nossa alma. Respiro. Confiar, não estamos sozinhos, estamos conectados a tudo e por isso temos chances muito grandes de nos influenciar positivamente. Também estamos conectados à natureza e ela nos provê de tudo que precisamos. Deveríamos ser-lhe gratos,. A cada vez que inalamos o ar, deveríamos agradecer. Lírios do campo, lembrar de agradecer.
Voar não é tão desconhecido assim. Uma sensação de que o céu, assim como o chão, também me é natural. O sentido espiritual da dualidade: o Céu e a Terra.
Seja feita a sua vontade Senhor. Já não havíamos combinado que em suas mãos estava a minha vida? Isso foi aos dezoito. Sim, já havíamos combinado.
A sensação é muito boa.
Vamos nos preparar para o pouso, a curva é muito fechada, duas vezes sobre a faixa de areia, minhas pernas agora estão soltas. Tiramos um fino do cara sentado na cadeira de praia, já deve estar acostumado. Entramos na faixa de pouso, o piloto freia, solo. Sorriso pleno.
Céu e terra, vamos agora ajustar isso

"O processo é duplo, por um lado atua a sociedade com a sua educação, por outro o indivíduo se submete a um processo consciente de auto-educação"
Ernesto Guevara

domingo, novembro 12, 2006

Volver

Volver, Almodóvar retorna com uma comédia dramática. Mulheres dominam a tela. Madres e chicas, passado, sonho e vida (no Tango de Gardel):
"...Tengo miedo del encuentrocon el pasado que vuelvea enfrentarse con mi vida.Tengo miedo de las nochesque, pobladas de recuerdos,encadenan mi soñar."
Pela minha intuição estética, as mortes na história não são um fim em si mesmas, são fantasmas que retornam trazendo um passado muito presente. Os ventos também mobilizam o passado e a energia por eles produzida retoma os dramas que não podem ser esquecidos.
Gosto da maquiagem de Penélope Cruz, olhos exuberantes. Todos os olhares são interessantes e cruzam a todo momento com o olhar do expectador.
O drama da mãe é também o drama vivido pela filha, unidas assim, tornam-se cúmplices na trama. O não olhar é o que provoca mais dor. Gosto desse cotidiano trazido por Almodóvar que mistura intuição e realidade.
Angel

sábado, novembro 11, 2006

Profundidade e contorno


Grafismo e pintura. Preciso escolher meu caminho plástico
Um ou outro me satisfaze.
Posso escolher qualquer caminho desde que permaneça uma coerência interna
Recriar sentimentos e visões internas
Um pouco de leveza, só um pouco de leveza é do que necessito.
Angel

Cinco minutos


A idéia de viajar a noite de ônibus para SP evitando a confusão dos aeroportos não foi boa. Não dormi nada, cheguei cansada. Vir no vôo das oito resolveria bem o problema.
Hospital das clínicas, hospital de excelência da América latina. Na entrada vejo um grupo de residentes. Movimento de greve, penso. Nos corredores muitas pessoas, muito sofrimento. Histórias diferentes. Tento organizar meus pensamentos, preciso colher sangue para o protocolo de pesquisa, tomar café e remédios, colher um exame no lab do subsolo. Escolho tomar café. O número de residentes agora aumentou, procuro por alguém conhecido. Não há ninguém da Nefro. Leio a primeira página da "Folha de SP", Lula, Palestina, volley feminino, metrô em expansão...Tem um médico me flertando na mesa da frente. Consulto o relógio. Vamos ao lab.
Dez horas, urologia, minha senha brilha no painel. Dirijo-me a sala número 5, será uma consulta breve. Não mais que cinco minutos, tempo necessário para minha médica olhar exames, perguntar sobre minhas queixas e fazer modificações nos medicamentos. Minha queixa são meus ovários, doem muito na menstruação. Eles parecem raivosos comigo. Talvez um aviso sobre minha fertilidade, desejo de procriação, perpetuação que não virá. Não digo nada disso, digo o que ela quer ouvir. Com o tempo aprendi a me poupar. Saio como entrei, pela porta da sala número cinco. Admiro minha médica, mas não acredito mais que seu comportamento em relação ao tratamento vá mudar, tb não acredito que cabe a mim modificar seu tempo e forma de estar comigo e demais pacientes. Ambas fazemos a nossa parte, ela trata, eu aparento ser dócil.
Lá fora os residentes protestam em altos brados, consigo ouvir suas queixas. São explorados como profissionais, a jornada de trabalho é aviltante, as condições de trabalho são ruins e não tem direito a 13 salário, nem salário férias. Os futuros médicos concursados de amanhã.
Quem explora quem?
Qual o contrato de trabalho estabelecido pelas instituições para administrar a doença?
Acho que estou um pouco cansada, preciso repensar com calma o que significa tratar e ser tratado numa instituição pública.
Angel