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sexta-feira, abril 21, 2006

Fale com ela


Fui ao Mac ver a exposição de Miro. Muito bela e inquietante, signos convidativos, cores primárias e traços. Síntese e essência. Numa entrevista com Niemayer ele afirmou: “A arquitetura deve emocionar e ser bela.” E assim é a arquitetura do MAC. No pátio externo uma semana de filmes de Almodóvar. A projeção num telão tendo o céu como cenário coadjuvante. O filme: “Fale com ela”. Relações humanas de peso, touradas e balé. A fotografia belíssima como deveria ser. Até mesmo as cenas do hospital são carregadas de poesia, emocionam. Toda narrativa do filme segue um contra fluxo, no sentido da morte para a vida. Uma bailarina entra em coma após um acidente e um enfermeiro conversa com ela diariamente mesmo sabendo que ela não pode responder, o que não significa que ela não pode entender. Almodóvar estabelece relações complexas entre os personagens, teias de emoções com uma cronologia nada convencional. Arrependimento e culpa, remorso, sentimentos muito presentes em nossas vidas. Há símbolos e signos muito pregnantes: camas hospitalares, janelas, touros, cadeiras, uniformes e vestimentas. Cada objeto nos remete à lembranças também muito significativas.
A arte, acima de tudo emociona, coloca em movimento. E cá estou movimentando meus dedos sobre o teclado tentado expressar que não há imparcialidade em nada, que cada ato repercute sobre os outros, que podemos nos calar, duvidar, odiar, amar ou criar uma realidade outra senão aquela que parece ser a única possível. Poderia dizer isto de várias formas, bem senso comum:
Vivemos num mundo de ilusões.
Nem tudo é o que parece ser.
Não julgueis.
O preconceito é uma droga.
Ninguém vive sem máscaras.
Vivemos para ser o que não somos, e nossa essência é algo que conhecemos muito pouco.
Almodóvar trata de situações possíveis e impossíveis, isso é arte. A expansão de nosso restrito universo.
Queria ter tido a possibilidade de dizer a Fernando. Cheguei à conclusão que sua incapacidade de lidar com uma situação que definiu como “algo que não podia modificar” não era um problema meu de fato, era problema dele. Penso também que o filme de Almodóvar me ajudou a entender que a incredulidade humana é algo construído culturalmente, assim como o preconceito e tantas outras amarras (na maioria das vezes bem convenientes). Fiquei muito tempo no limbo flertando com a vida e a morte. Meus últimos vinte anos foram construídos sobre um terreno de situações limite. Em vários momentos, situações muitos difíceis eram revertidas e as soluções apareciam oportunamente. Não descarto a fé e não costumo deixar tudo a cargo dos Santos, mas acredito também em pequenos milagres.
Em “Fale com ela”, uma das representações do amor são os encontros e desencontros. Bem atual.

Angel

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