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domingo, outubro 16, 2011



PROCESSO Nº 0007197-51.2011.4.02.5101 (2011.51.01.007197-7)
AUTOR: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIAO
REU: UNIAO FEDERAL E OUTROS
CONCLUSÃO

Nesta data, faço os presentes autos conclusos ao MM. Juiz Federal da 8a Vara Federal, IORIO
SIQUEIRA D'ALESSANDRI FORTI.
Rio de Janeiro, 09/06/2011 11:06.
ADALBERTO WILSON SPIER
Diretor da Secretaria da 8a Vara Federal
Decisão
A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO ajuizou, em 02/06/2011, AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
com requerimento de tutela antecipada, em face da UNIÃO FEDERAL, do ESTADO DO RIO
DE JANEIRO e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, com pedido para que os réus forneçam
para crianças e adultos:
a) implantes cocleares bilaterais,
b) fornecimento do sistema FM,
c) manutenção dos equipamentos (compra de acessórios, consertos, trocas de peças,
atualizações – upgrades, baterias);
d) empréstimo de backup, quando o dispositivo externo estiver em conserto (o que
demora de 15 a 60 dias);
e) reposição do dispositivo externo em caso de perda, roubo ou quando não for
possível seu conserto;
f) terapia fonoaudiológica.
Esclarece a inicial que o IMPLANTE COCLEAR é dispositivo eletrônico de alta tecnologia
(ouvido biônico), composto de um dispositivo interno e outro externo, que estimula eletricamente
as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo
auditivo, a fim de ser decodificado pelo córtex cerebral. O componente interno é inserido no
ouvido interno mediante cirurgia, sendo composto de antena interna com um ímã, um receptor
estimulador e um cabo com filamento de múltiplos eletrodos envolvido por um tubo de silicone
fino e flexível. O componente externo é um microfone direcional, um processador de fala, uma
antena transmissora e dois cabos.
Após a cirurgia de implante coclear, o paciente enfrenta fase de reabilitação, que exige
programação e regulagens periódicas ao longo da vida, com equipamentos e procedimentos
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO
JUSTIÇA FEDERAL
Seção Judiciáriado Rio de Janeiro
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específicos. O acompanhamento dos pacientes implantados é realizado por equipe
multidisciplinar, no mesmo centro em que foi realizada a cirurgia. Igualmente relevante é a
manutenção do aparelho (consertos, trocas de peças, compra de acessórios, atualizações etc), de
alto custo.
A transmissão da fala pelo sistema FM permite o paciente com implante coclear ouvir sem
interferências decorrentes de ruídos, distância da fonte sonora e ecos, sendo imprescindível para
as crianças em idade escolar.
O SUS arca apenas com o implante coclear UNILATERAL, mas não fornece o implante
BILATERAL, e atribui ao paciente a responsabilidade exclusiva por despesas com reabilitação,
sistema FM, dispositivo externo e sua manutenção. Assim, a cirurgia, que tem custo estimado em
cem mil reais, freqüentemente acaba se tornando inócua por falta de recursos financeiros dos
pacientes para custear a manutenção do aparelho.
À fl. 213, emenda à inicial, para requerer a intimação da Sra. MARIA INÊS GADELHA,
Coordenadora Geral da Alta Complexidade do SUS e da Sra. ANA LUZIA DE FIGUEIREDO
CATANI, Consultora Técnica CGMAC/DAE/SAS/Ministério da Saúde, para que possam prestar
esclarecimentos sobre a demanda em questão.
À fl. 214, emenda à inicial, para registrar na petição inicial o elenco de instituições e pessoas
direta ou indiretamente envolvidas com o Implante Coclear, para que possam prestar
esclarecimentos sobre a demanda em questão. Reiterou o requerimento de tutela de urgência.
Às fls. 220-256, artigos científicos entregues à Secretaria deste Juízo sobre o tema de que trata a
presente ACP.
É o relatório. Passo a decidir.
DEFERIMENTO DAS EMENDAS À PETIÇÃO INICIAL E ESCLARECIMENTO
NECESSÁRIO
Registro que, por ocasião do ajuizamento da presente ACP, o Defensor Público subscritor da
petição inicial compareceu pessoalmente ao Juízo a fim de despachar com o magistrado
responsável pelo processo. Sem adentrar o mérito e antes de pretender formar convencimento,
ponderei que, diante da pretensão de alargamento da lista de medicamentos e tratamentos
fornecidos pelo SUS (para passar a fornecer tratamento de valor elevado – implante coclear
BILATERAL –, além da manutenção dos aparelhos já implantados), seria recomendável que a
DPU trouxesse aos autos já na fase inicial o elenco das associações de implantados e
profissionais da saúde e/ou hospitais responsáveis pelo implante e pelo tratamento posterior dos
implantados. De posse destes nomes e endereços de contato, a parte autora, a parte ré, e, em
última análise, a parcela da sociedade cujo direito será discutido, poderão ganhar voz e prestar
esclarecimentos a todos os atores do processo, contribuindo para – sem prejuízo de uma decisão
judicial imediata e imposta, em nome da necessidade de uma solução (provisória) imediata – o
estabelecimento de um diálogo e para a construção de uma tentativa de consenso que, em última
análise, possa atender ao interesse comum da DPU e dos entes da República aqui envolvidos,
qual seja, a consecução do interesse público.
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A sugestão foi bem aceita pela DPU, que, seja pela demora inerente à necessidade de levantar tais
informações, seja pela troca do Defensor à frente da ACP, trouxe as últimas informações em
19/09/2011.
Houve o decurso de mais de vinte dias desde então, seja porque este magistrado estava sozinho
no exercício da titularidade da 8ª VF-RJ (até 07/10), seja porque enfrentei alguns problemas de
saúde que me impediram de levar o processo para casa a fim de dar a atenção pormenorizada que
ACPs e outros processos complexos merecem.
Prestados os esclarecimentos necessários à demora na prolação de um primeiro despacho/decisão
neste processo, defiro as emendas de fls. 213 e 214, bem como defiro a juntada dos artigos
científicos de fls. 220-256, e passo a proferir decisão.
LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA
À luz dos arts. 5º, LXXIV, e 134 da Constituição da República, há muito a legitimidade da
Defensoria Pública, expressamente consignada na Lei Complementar 80/94, é reconhecida pela
jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO NO JULGADO. INEXISTÊNCIA.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA COLETIVA DOS CONSUMIDORES. CONTRATOS DE
ARRENDAMENTO MERCANTIL ATRELADOS A MOEDA ESTRANGEIRA. MAXIDESVALORIZAÇÃO
DO REAL FRENTE AO DÓLAR NORTE-AMERICANO. INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
LEGITIMIDADE ATIVA DO ÓRGÃO ESPECIALIZADO VINCULADO À DEFENSORIA PÚBLICA DO
ESTADO.
I – O NUDECON, órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, tem
legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de
consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com
cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial.
II - No que se refere à defesa dos interesses do consumidor por meio de ações coletivas, a intenção do legislador
pátrio foi ampliar o campo da legitimação ativa, conforme se depreende do artigo 82 e incisos do CDC, bem assim
do artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, ao dispor, expressamente, que incumbe ao “Estado promover,
na forma da lei, a defesa do consumidor”.
III – Reconhecida a relevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o
interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido
de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a conseqüente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir
a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes.
Recurso especial provido.
(STJ, 3ª Turma, REsp 555111, Relator Ministro CASTRO FILHO, Data do Julgamento 05/09/2006)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 5º, II,
DA LEI Nº 7.347/1985 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.448/2007). PRECEDENTE.
1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação
civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores.
2. Esta Superior Tribunal de Justiça vem-se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº
7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação
principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao
meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá
outras providências.
3. Recursos especiais não-providos.
(STJ, 1ª Turma, REsp 912849, Relator Ministro JOSÉ DELGADO, Data do Julgamento 26/02/2008)
Tal prerrogativa foi reafirmada – e não criada – pela Lei 11.448/07, como reconhece a
jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA
AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF. ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL.
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ART. 5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO
AOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA.
LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA
RECONHECIDA ANTES MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07. RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA
DO DIREITO QUE SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A Defensoria Pública é instituição essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na
forma do art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da
CF), que se materializa por meio da devida prestação jurisdicional quando assegurado ao litigante, em tempo
razoável (art. 5º, LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do direito a ser tutelado (princípio do
acesso à ordem jurídica justa).
2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do
denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o
qual se comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação
Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os
instrumentos e institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 83 do CDC).
3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de que "A nova ordem constitucional erigiu um
autêntico 'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG,
Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil pública é o instrumento processual por
excelência para a sua defesa.
4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a
propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações processuais fazem parte de uma série de mudanças no
arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva,
concretizar o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.
5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública bastaria o comando constitucional estatuído no art.
5º, XXXV, da CF.
6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da
Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é
reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se
pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana,
entendida como núcleo central dos direitos fundamentais.
7. Recurso especial não provido.
(STJ, 1ª Turma, RESP 1106515, Relator Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJE de 02/02/2011)
Nos termos do art. 4º, VII, da Lei Complementar 80/94, com redação dada pela Lei
Complementar 120/09, é função institucional da Defensoria Pública “promover ação civil pública
e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, coletivos
ou individuais homogêneos QUANDO O RESULTADO DA DEMANDA PUDER
BENEFICIAR GRUPO DE PESSOAS HIPOSSUFICIENTES”. A Ação Civil Pública é
mecanismo de proteção de direitos de grande relevância e de facilitação do acesso à Justiça, cuja
promoção é atribuída a entes dotados de legitimidade adequada para patrocinar os interesses de
grupos sociais perante o Poder Judiciário, em busca de soluções uniformes e da racionalização do
sistema judiciário. Logo, a atribuição de legitimidade a um ente não exclui a de outro, nem há
campos estanques de atuação de cada um deles. Assim como o Ministério Público não teve
subtraída sua legitimidade para representação de interesses socialmente relevantes da população
pobre (STJ, 5ª Turma, RESP 1220835), a Defensoria Pública não invade a atribuição do parquet
quando se vale da Ação Civil Pública sem demonstrar (até porque isso seria impossível) que
todos os possíveis beneficiários da decisão judicial são hipossuficientes (STJ, 3ª turma, RESP
555111).
O DIREITO À SAÚDE E A AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Segundo o art. 197 da Constituição da República, “São de RELEVÂNCIA PÚBLICA AS
AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE”, de modo que o direito à saúde, indisponível,
inquestionavelmente pode e deve ser objeto de Ação Civil Pública (art. 129, III, da Constituição
da República; art. 1º, IV, da Lei 7.347/85).
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Considerando que, nos termos do art. 196, “A saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao ACESSO UNIVERSAL e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”, a idéia de universalização faz com que, necessariamente, qualquer ação
coletiva em favor da saúde possa beneficiar grupo de pessoas hipossuficientes, de modo que
indiscutivelmente há legitimidade tanto do Ministério Público quanto da Defensoria Pública, quer
pela natureza relevante e indisponível do direito, quer pelo fato de estar-se a beneficiar também
os economicamente fracos.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
A Defensoria Pública pede, em síntese, a ampliação da lista de medicamentos e tratamentos
oferecidos pelo SUS a fim de aumentar a cobertura aos surdos (de modo que o implante coclear
passe a ser bilateral) e aos implantados (oferecendo manutenção, atualização, conserto e
reposição de peças).
No notável artigo “Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde,
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial” (disponível em <
http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>), LUÍS ROBERTO BARROSO, sem
afastar os riscos de o Judiciário se imiscuir na formulação de políticas públicas, atesta a
possibilidade jurídica de, em ação coletiva, alterar as listas de tratamentos de saúde:
“50. Um dos fundamentos para o primeiro parâmetro proposto acima, como referido, é a
presunção – legítima, considerando a separação de Poderes – de que os Poderes Públicos, ao
elaborarem as listas de medicamentos a serem dispensados, fizeram uma avaliação adequada
das necessidades prioritárias, dos recursos disponíveis e da eficácia dos medicamentos. Essa
presunção, por natural, não é absoluta ou inteiramente infensa a revisão judicial. Embora não
caiba ao Judiciário refazer as escolhas dos demais Poderes, cabe-lhe por certo coibir abusos.
51. Assim, a impossibilidade de decisões judiciais que defiram a litigantes individuais a
concessão de medicamentos não constantes das listas não impede que as próprias listas sejam
discutidas judicialmente. O Judiciário poderá vir a rever a lista elaborada por determinado
ente federativo para, verificando grave desvio na avaliação dos Poderes Públicos, determinar
a inclusão de determinado medicamento. O que se propõe, entretanto, é que essa revisão seja
feita apenas no âmbito de ações coletivas (...).
52. Em primeiro lugar, a discussão coletiva ou abstrata exigirá naturalmente um exame do
contexto geral das políticas públicas discutidas (o que em regra não ocorre, até por sua
inviabilidade, no contexto de ações individuais) e tornará mais provável esse exame, já que
os legitimados ativos (Ministério Público, associações etc.) terão melhores condições de
trazer tais elementos aos autos e discuti-los. Será possível ter uma idéia mais realista de quais
as dimensões da necessidade (e.g., qual o custo médio, por mês, do atendimento de todas as
pessoas que se qualificam como usuárias daquele medicamento) e qual a quantidade de
recursos disponível como um todo.
53. Em segundo lugar, é comum a afirmação de que, preocupado com a solução dos casos
concretos – o que se poderia denominar de micro-justiça –, o juiz fatalmente ignora outras
necessidades relevantes e a imposição inexorável de gerenciar recursos limitados para o
atendimento de demandas ilimitadas: a macro-justiça. Ora, na esfera coletiva ou abstrata
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examina-se a alocação de recursos ou a definição de prioridades em caráter geral, de modo
que a discussão será prévia ao eventual embate pontual entre micro e macro-justiças. (...)
54. Em terceiro lugar, e como parece evidente, a decisão eventualmente tomada no âmbito de
uma ação coletiva ou de controle abstrato de constitucionalidade produzirá efeitos erga
omnes, nos termos definidos pela legislação, preservando a igualdade e universalidade no
atendimento da população. Ademais, nessa hipótese, a atuação do Judiciário não tende a
provocar o desperdício de recursos públicos, nem a desorganizar a atuação administrativa,
mas a permitir o planejamento da atuação estatal. (...)”
Por fim, o autor defende que são parâmetros complementares para orientar o mérito das decisões,
que o Judiciário (a) só pode determinar a inclusão, em lista, de medicamentos de eficácia
comprovada, excluindo-se os experimentais e os alternativos, (b) deverá optar por substâncias
disponíveis no Brasil, (c) deverá optar pelo medicamento genérico, de menor custo, e (d) deverá
considerar se o medicamento é indispensável para a manutenção da vida.
Acolho as ponderações acima para concluir pela existência da condição da ação “possibilidade
jurídica do pedido”.
LEGITIMADE PASSIVA
União Federal, Estados e Municípios financiam o sistema único de saúde, constituído, nos termos
do art. 198, de “ações e serviços públicos de saúde [que] integram uma rede regionalizada e
hierarquizada [...]”.
Entendo, por isso, que não há propriamente solidariedade entre as três esferas federativas: não
haveria racionalidade no sistema se qualquer cidadão pudesse cobrar indistintamente da União,
do Estado ou do Município o mesmo medicamento ou tratamento. Há deveres especificamente
exigíveis de cada um dos entes, e, ainda que a divisão de atribuições não seja revestida de
precisão matemática, após a especificação das responsabilidades, será possível cogitar da
exclusão de um ou mais dos réus da relação processual.
Daí porque o Sistema Única de Saúde obedece, dentre outros, aos seguintes princípios elencados
no art. 7º da Lei 8.080/90:
...
II – integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os
níveis de complexidade do sistema;
...
IX – descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
...
XI – conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde
da população;
...
XIII – organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para
fins idênticos.
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A legitimidade passiva da União Federal é manifesta, já que ao gestor federal caberá a
formulação da Política Nacional de Medicamentos e Tratamentos e a elaboração da Relação
Nacional de Medicamentos e Tratamentos – já tendo, inclusive, reconhecido como incluída
dentre as prioridades públicas o implante coclear unilateral.
A legitimidade passiva do Estado se justifica, em princípio, porque, em sendo o tratamento
requerido de elevada complexidade e alto custo, a execução da política pública que a DPU
pretende ver instituída será, em regra, atribuída à esfera estadual.
Por fim, em princípio, não é atribuição dos Municípios distanciar-se da prestação de
medicamentos essenciais. Faz-se necessária sua manutenção no pólo passivo, neste primeiro
momento, porque há que se esclarecer, no curso do processo, sobre sua possível atribuição no que
diz respeito ao tratamento fonoaudiológico e à difusão do emprego do sistema FM.
MÉRITO DO REQUERIMENTO DE TUTELA DE URGÊNCIA
Antes de mais nada, convém repetir a lição acima transcrita de BARROSO: “a impossibilidade de
decisões judiciais que defiram a litigantes individuais a concessão de medicamentos não constantes das
listas não impede que as próprias listas sejam discutidas judicialmente. O Judiciário poderá vir a rever a
lista elaborada por determinado ente federativo para, verificando grave desvio na avaliação dos Poderes
Públicos, determinar a inclusão de determinado medicamento.”
Quando o Poder Judiciário entra no mérito do acerto ou desacerto de formulação de políticas públicas de
saúde, não está necessariamente a invadir a seara do Administrador nem a ferir a separação dos poderes: a
proteção à saúde é um dever jurídico estabelecido pela Constituição da República para o Estado Brasileiro
e, por isso, compete ao juiz apreciar graves desacertos na ação – ou omissão – do administrador.
No caso concreto, porém, nem se precisaria chegar a tanto para enfrentar o requerimento feito pela DPU
nesta ACP: é que o administrador já avaliou a necessidade de fornecer ou não tratamento cirúrgico à
surdez e concluiu em sentido positivo, bem como já avaliou a relação custo-benefício do implante coclear
e decidiu pela sua inclusão na lista de tratamentos fornecidos.
Ou seja, a escolha política – eleger quais as doenças/moléstias/lesões a merecerem especial enfrentamento
por parte do SUS e selecionar, dentre os meios terapêuticos disponíveis no atual estado da arte médica,
aqueles que otimizam a relação custo-benefício – já foi tomada pelo Poder Executivo em favor do
implante coclear, de modo que dizer que qualquer decisão judicial no sentido de potencializar os efeitos
desta escolha represente inconstitucional invasão do mérito administrativo.
Daí porque concluo, em acolhimento aos argumentos expostos na petição inicial, que é contrário ao
próprio princípio da eficiência – ou, melhor dizendo, que é cruel – dar com uma mão e tirar com a outra.
Investir mais de uma centena de milhares de reais no implante de um dispositivo eletrônico de alta
tecnologia e não cobrir o custo – relativamente barato se comparado à aquisição do aparelho e à cirurgia
de implante, mas caro para os padrões do brasileiro médio – de manutenção e troca de baterias do aparelho
implica fazer com que crianças surdas passem a ouvir, façam um esforço de adaptação, e, ao final dos três
anos de garantia do produto, ou após o fim da vida útil da bateria, estejam condenadas a retornar à surdez.
Se for para ser assim, qualquer pessoa de bom senso saberá concluir que melhor seria para todos que o
Estado não tivesse se dado ao trabalho de custear o implante e que a criança não tivesse tido a experiência
auditiva só para ter a dimensão da falta que ela lhe fará num futuro breve e inexorável.
Além disso, difícil crer que o custo de manutenção dos aparelhos não relativamente pequeno diante da
escolha feita pelo administrador de realizar um implante de valor elevadíssimo, e que esse custo não possa
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ser diminuído por uma gestão inteligente. Assim, à medida em que o implante coclear for mais divulgado
e, conseqüentemente, mais difundido, por ocasião da licitação para aquisição em maior escala dos
aparelhos, o Poder Público pode impor não apenas especificações técnicas para o aparelho como também
e principalmente o prazo da garantia para assistência técnica e o valor das peças de reposição.
Quanto ao implante coclear bilateral, é certo que a necessidade de cirurgia em ambos os ouvidos
há de aumentar consideravelmente o custo do tratamento, com inegável impacto sobre o
percentual de recursos consumidos do orçamento da saúde. No entanto, não há como negar que a
surdez de um só ouvido, ainda que muito menos grave que a surdez total, prejudica não só a
audição plena como também o equilíbrio de quem recebeu o implante coclear unilateral (tanto
assim que a surdez unilateral é considerada deficiência física para fins de concurso público). Há
que se conciliar, então, a capacidade de planejamento orçamentário do Estado com a necessidade
de pleno atendimento da saúde, e parece-me razoável, para isso, deferir um prazo dilatado de dez
meses para que os implantes bilaterais passem a ser cobertos pelo SUS (sendo que pelo menos
30% dos implantes cocleares cobertos pelo SUS deverão ser bilaterais, conforme prioridade a ser
definida administrativamente dentro do prazo para cumprimento da tutela).
Por fim, a terapia fonoaudiológica é essencial para o pleno desenvolvido e integração social dos
implantados.
Do exposto:
I – DEFIRO EM PARTE O REQUERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA para compelir a
parte ré a fazer com que, no prazo de quatro meses a contar da intimação, o SUS passe a se
responsabilizar por:
i) manutenção dos equipamentos (compra de acessórios, consertos, trocas de peças,
atualizações – upgrades, baterias);
ii) empréstimo de backup, quando o dispositivo externo estiver em conserto (o que
demora de 15 a 60 dias);
iii) reposição do dispositivo externo em caso de perda, roubo ou quando não for
possível seu conserto;
iv) fornecimento do sistema FM, e
v) terapia fonoaudiológica.
II – DEFIRO EM PARTE O REQUERIMENTO DE TUTELA ANTECIPADA para compelir a
parte ré a fazer com que, no prazo de dez meses a contar da intimação, o SUS passe a se
responsabilizar pela realização de implantes cocleares bilaterais, cujo percentual deve
corresponder a 30% dos implantes cocleares realizados (cabendo à Administração fixar os
critérios para determinar quem receberá preferencialmente o implante bilateral).
III – DETERMINO SEJAM OS RÉUS CITADOS E INTIMADOS DESTA DECISÃO, cabendo
à União cuidar de dar ciência da existência desta ACP e da presente decisão às Sras. MARIA
INÊS GADELHA, Coordenadora Geral da Alta Complexidade do SUS e ANA LUZIA DE
FIGUEIREDO CATANI, Consultora Técnica CGMAC/DAE/SAS/Ministério da Saúde (fl. 213),
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para que possam prestar esclarecimentos sobre a demanda, em especial sobre a possibilidade de
alargamento espontâneo da lista de tratamentos cobertos pelo SUS, e apresentando eventuais
argumentos de ordem técnica ou orçamentária contrários ou favoráveis à pretensão da DPU.
IV – DETERMINO SEJA INTIMADO O MPF para esclarecer se há alguma outra ACP, no Rio
de Janeiro ou em qualquer outro Estado, com objeto idêntico, e se pretende ingressar no pólo
ativo da presente (caso em que deverá desde logo se manifestar);
V – DETERMINO QUE A SECRETARIA DA VARA, POR VIA POSTAL OU E-MAIL
(DESDE QUE SEJA CERTIFICADO O SEU RECEBIMENTO PELO DESTINATÁRIO), DÊ
CIÊNCIA À ABORL, À AMADA E À ADAP (FL. 215) DA EXISTÊNCIA DA PRESENTE
ACP, PARA QUE, SE QUISEREM, CONTRIBUAM COM ESCLARECIMENTOS DE
ORDEM TÉCNICA.
Rio de Janeiro, 11 de outubro de 2011, 22:56h.
IORIO SIQUEIRA D'ALESSANDRI FORTI
Juiz Federal
265
Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a IORIO SIQUEIRA D ALESSANDRI FORTI.
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